Comadre e
compadre, hoje eu vou falar das nossas raízes, aquelas que nos anunciam e nos
denunciam. Hoje encontramos todo tipo de gente. Aqueles que negam as raízes,
mas quando abrem a boca não tem como evitar que não são daqui ou dali, sabe
aquele sotaque? Então, ele mesmo, é o dedo duro, o x-9 da vida do povo. Tem aquele
compadre que nega a raiz de um nível tão hard da estrela, que ele se expressa e
é tão ator, que você nunca vai saber de onde ele veio, o cara é bom, engana, e
muito bem. E você bobalhão, não tem noção de onde vem não.
E tem o cara
tipo eu, aquele que ama de onde veio, que abre a boca e denuncia, que não perde
o sotaque nunca, que já morou em duas cidades com sotaques totalmente distintos,
mas que mesmo assim, a raiz condena. Sabe aquele cara que fala cantando? Então...
Sabe aquela
comadre que não curtia leite quando era pequena, que sua bebida preferida era o
chimarrão, e que ela tomava até o mate ficar lavado, e pedia bis? Porque mate
lavado, este é um parceiro que te entende. Mas comadre, você é gaúcha, você é
do Sul? Sim e não, eu sou do Sul, mas
sou um pouquinho mais de cima, minha terra é Paraná.
Ah meu Deus
quando eu morrer, só uma graça para esperar, me leve logo ao paraíso, me deixe
no paraná...
Só que não.
Sinceramente
eu preferia ter nascido lá em baixo do mapa, porque eu cresci com a cultura gaúcha,
frequentando CTGs (centro de tradição gaúcha) comendo churrasco fogo de chão,
costela e afins, dançando, recitando poesia, cantando versos tradicionalistas. Uma
gaúcha típica, mas não nata.
Minha cidade
tinha dois semáforos ou sinaleiros que não funcionavam direito, a diversão do
povo era ir a missa de domingo, tomar sorvete na praça, depois de encher o
bucho de chimarrão até ficar verde pós churrasco do almoço, regado a muita
carne de primeira, maionese de vó, salada, e pão, bah, delícia, andar de carro
pelo centro, que não dava nem para colocar terceira que já tinha que voltar,
falar da vida alheia, porque estudar era difícil e dava trabalho.
- Sabe o
compadre João? Nem te conto comadre, trocou a esposa do casamento de 40 anos
para ficar com uma guria da idade da filha mais nova dele.
- O mundo tá
perdido mesmo.
- E o piá do
Bartolomeu? Só pensa em vídeo game e ficar o dia inteiro na internet (sabe
aquela internet com o E no final bem generoso? É assim que se fala).
Você viu a
filha da Jurema? Está namorando o bicho sem futuro do filho do compadre Marcão.
Deixando a
ironia de lado, eu gosto da minha cidade, minha vida lá foi maravilhosa, tenho
ótimas lembranças, principalmente dos bailes gaúchos que eu ia e dançava até
não sentir a sola do meu pé, as comidas deliciosas e o mate amargo, minha
cidade era colonizada por gaúchos e eu amava isso, meu sotaque vem de lá, e eu
não tenho vergonha de falar leite quente sem cerimônia com um E no fim nada
tímido, de falar piá para menino e guria para menina, e barbaridade quando
estou embasbacada com algo, de chamar as pessoas que tenho apreço de compadre
e comadre, e bagual para homem bom e forte. Não ligo para nada disso, se meu
sotaque te incomoda irmão, não fale comigo, simples assim.
A vida é um
eterno abrir mão, por conta dele eu sai da minha cidade, eu também sofri “bullying”
lá, eita piazada babaca, mas tudo bem, eles não sabiam nem onde a galinha
mijava, fui para uma cidade com 15 vezes mais habitantes que a anterior, sofri “bullying”
na escola também por conta do sotaque, vi a diferença das pessoas e do povo e
assim a vida andou, vim para uma cidade
maior ainda, a maior do país, com tanta diversidade, que eu vi que meu sotaque
e o meu mate viraram só um detalhe, eu sou um grão de areia, eu não conheço meu
vizinho, ninguém está nem aí se eu to namorando um zé mané e to andando a pé.
Na academia
quando faço a aula de abdominal eu digo para a professora que a aula fez meu
bucho fritar, ela ri, e só.
Então meus
queridos, a raiz está em nós, eu não estou falando só de sotaque e gosto
musical, eu estou falando dos nossos valores, daquilo que nos acompanhará por
toda nossa vida mesmo quando sabemos que somos metamorfoses o tempo todo, a
raiz não sai, a raiz nos define, ela é nosso DNA.
Há coisas
que nunca deixamos de amar mesmo sabendo que conhecemos no início da vida, eu ainda
me arrepio e sei décor e salteado as canções gaúchas que eu ouvia no carro
enquanto ia pro litoral, lembro das poesias declamadas em tempo de invernada. Nossa
vida é marcada por detalhes que mesmo que vivêssemos cem anos conseguiríamos
esquecer, não digo só do que foi bom, mas do que foi ruim e machucou também, e
nós podemos ficar com o que foi bom, sorrindo quando lembramos, e ressignificar
o que foi ruim tirando algo importante como lição de vida, aprendizado. Compete-se
a nós escolhermos.
Isso sim é
evolução, e cada um escolhe o que quer se importar nesta vida louca, curta,
maluca, imprevisível, sopro e tri.
(Fim)
“Quem forjou
pelos caminhos:
Cavalos,
calos e amores;
Bem sabe que
os corredores
Não dão
guarida e razão.
Pois não é
qualquer galpão
Que tem o
calor da gente,
Que sabe as
coisas que sente,
Fincadas no
próprio chão!
Não é que as
dores da trilha
Não ensinem
a quem anda,
É que a
cruzada se agranda
E o que
importa tem raíz.
O mundo é
puro matiz...
Mas onde
quer que se passe,
O chão onde
a gente nasce
É o que a
gente sempre quis!
Por isso que
quem carrega
As manhas de
ter andado,
Conserva o
solo sagrado
Desenhado
nas retinas.
Pois o beijo
de outra china,
Não é o da
prenda mimosa,
E a terra
que não é a nossa
Nos vale o
que nos ensina.
Eu sou mais
um que já andou
Gastando o
aço da espora
Mais da
porteira pra fora,
Que da
porteira pra dentro.
É certo, não
me arrependo,
Porque vivi
sem maldade
E aprendi –
barbaridade –
Vivendo o
meu próprio tempo.”
(Roberto Ponsi e Leandro Gomes)
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